sexta-feira, 7 de setembro de 2007

À Prova de Morte (Death Proof - 2007 - Estados Unidos)


É um tanto quanto duvidoso ter alguém como eu criticando qualquer um dos filmes do über-nerd Quentin Tarantino. Metade da minha quilometragem cinematográfica passei assistindo os vhs de Kung-Fu da FJLucas, faroestes italianos e filmes de terror, fossem os clássicos da década de 30 e 70 ou vagabundagens de 80. Tudo culpa e cortesia das prateleiras de uma locadora de interior em Coxim-MS, onde, num sábado à noite, Django era disputado à tapa pelos clientes. E eu posso garantir: todos que pisaram naquela locadora vão adorar a viagem de "À Prova de Morte". Muito mais do que aquele seu amigo blasé de quem você pegou emprestado o box do Bergman.

Não é como os outros filmes de Tarantino, onde as citações são diluídas, mascaradas e algo como uma cereja em cima do bolo. Aqui, se se perder entre a lista de filmes descendo bitola abaixo, se desespere, a diversão está comprometida. "Corrida Contra o Destino" (Vanishing Point - 1971) é citado pelo menos 15 vezes e é o McGuffin da segunda parte do filme. E se tudo isso soa como o tradicional Tarantino de sempre, desta vez ele arrisca um mergulho no universo feminnino. Mas se considerarmos Jackie Brown como uma história sobre o amadurecimento de uma cinquentona e Kill Bill como uma fábula sobre a maternidade, vamos cair na real que não tem nada de novo. Melhor assim.

A primeira metade do filme gira em torno de um grupo de amigas saindo para uma noitada em uma cabana deserta, mas o acaso as faz parar antes em um barzinho para "esquentar" a noite e comprar um pouco de maconha. E é aí que o Tarantino balconista de locadora deixa todo o seu talento (de balconista, não de diretor) aflorar, servindo a todos nós as regras requentadas e retemperadas dos filmes de maníacos (americanamente chamados de slashers). As garotas não só falam sobre sexo, mas transpiram sexo por tudo aquilo que os curtos shortinhos insistem em mostrar . Elas bebem, usam drogas e não tem receio algum de se divertir, mas uma delas, a tal Butterfly, que mesmo sendo um pouco mais atrevida do que você gostaria de saber que a sua irmã é (e ela é, não adianta negar), ainda não deixou seu namorado se enfiar entre suas pernas. E ela não está só imaculada sexualmente falando, ela também é a única que sente algo de estranho vindo daquele carro negro, é a única que o viu cruzando antes pela cidade, é a única que tem pelo menos uma pista de que a noite pode não ser tão divertida quanto prometia. Eu, você e todo aquele povo de Coxim já assistimos filmes suficientes para saber que neste tipo de mundo isso faz dela a heroína, sem sombra alguma de dúvidas, como uma Jamie Lee Curtis. Mas Stuntman Mike não é nenhum Michael Myers, apesar de ambos serem Mike.

Em uma cena ou outra, Tarantino entrega que este cara com uma cicatriz no rosto e quase tão legal quanto o seu carro é o vilão. Só que esse tal Stuntman Mike é um cara tão interessante na primeira parte do filme que, mesmo tendo todas as pistas, eu me recusava a acreditar que ele fosse simplesmente um psicopata. Maldito engano. E é um psicopata misógino que usa a mais comum extensão peniana como arma, um carro. O Texas Ranger Earl McGraw, o mesmo personagem de Kill Bill, resolve a questão toda numa sequência reminiscente do anti-clímax explicativo do fim de "Psicose": matar estas belas garotas com o seu carro é a única forma de Stuntman Mike ter uma ereção. Maldito psicopata brocha.

Essa é a primeira vez em que Tarantino se arrisca na direção de fotografia e não é que o sacana se deu bem? A textura é digna dos filmes mais legais da década de 70 e se a sequência final já não fosse uma homenagem à "Faca na Garganta" (Switchblade Sisters - 1971), certamente poderia estar na transgressão-que-alguns-chamam-de-filme de Jack Hill. Assim como as garotas do filme fetiche do velho Jack, as meninas da segunda parte de "À Prova de Morte" são algumas das mais duronas a serem impressas em celulóide. Zoe Bell, dublê de Uma Thurman em Kill Bill, faz o papel de Zoe Bell, dublê neozelandesa e louca pelo filme "Corrida contra o Destino", numa das brincadeiras metalinguísticas mais legais da história recente. As citações que continuam aparecendo vão desde "O Pássaro de Plumas de Cristal", John Hughes e até mesmo "Cães de Aluguel", que empresta a sua clássica sequência "da madonna" para ser refeita numa versão feminina. E o que era para ser uma referência ao Scorsese, Tarantino se apropria, os coxinenses diriam.

Com mais arestas do que o regurgito pop usual de Quentin Jerome Tarantino, o (ex) balconista de locadora faz com primazia o que lhe é cabido: recomenda uma tonelada de filmaços, surpreende a cada minuto e ainda mostra que Grindhouse no Brasil é só lá em Coxim.