terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Tragam-Me a Cabeça de Alfredo Garcia (Bring Me The Head of Alfredo Garcia - 1974 - Estados Unidos/México)


Logo quando Warren Oates aparece na tela algo me incomoda, há algo errado com esse cara, quase como se não devesse estar ali. Depois de algum tempo de filme, aparece algum sentido nas minhas idéias. Warren Oates, no papel do pianista Ben, é humano demais para esses simulacros de celulóide que vim vendo até então e todos insistem em chamar de estrelas de cinema. Seu rosto é idiossincrático, seus trejeitos me fazem lembrar da infinidade de personalidades anônimas dos pés sujos por aí. Tão humano que dói e que incomoda ver.

Se a qualidade da arte depende do quanto o artista se compromete e se entrega à sua obra, as dúvidas acabam agora: "Tragam-Me a Cabeça de Alfredo Garcia" é a obra-prima do diretor Sam Peckinpah. Não que seja uma briga fácil contra seus outros filmes, mas assistir "Tragam-Me a Cabeça (...)" é como eu imagino que seja dar uma volta pelas entranhas do velho Sam. Entre bebidas, estupros e um pouco menos de bala do que se poderia esperar, não é só a presença de Oates que causa o estranhamento. O ritmo é todo dele, sem emprestar nada das fórmulas do entretenimento puro, e, dizem alguns mas não eu, deve um pouco ao Faroeste Italiano que, vale a pena dizer, Peckinpah não era um dos maiores admiradores (Se duvidam que alguém disse isso, assistam ao documentário do IFC "The Spaghetti West").

O filme todo é um desenrolar doloroso de verdade, amor, sacrífício, honra e verdade. Verdade duas vezes, por quê o que se tem impresso em cada fotograma não é a verdade simplista, aquela dos fatos, mas a verdade intangível de toda uma vida, posta aqui em uma forma que é tão violenta quanto bela.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

The Killers (1946 - Estados Unidos)

Pode ter algo errado comigo. Dizem por aí que esta é a única adaptação (ou a primeira até então) de um texto do Hemingway que o tenha agradado, enquanto que para mim o filme se resume à sua sequência de abertura. E ao primeiro grande papel de Ava Gardner. E à fabulosa fotografia impressa em branco, preto e sombras. Se alguém gritar do fundo da fila Burt Lancaster, a resposta está na mesa: Qual é?!? Quem é que ele enganou interpretando esse tal de Swede? Ele é tão durão quanto aquele gordinho dos Goonies, o que, se pensarmos melhor, é um exagero. Perto desse ex-boxeador, aquele Gordinho era até um bocado malvado. Mas James Ellroy já chegou a alma do filme noir: homem conhece mulher, tem a melhor noite de toda a sua vida, mesmo sabendo que não terá muitas noites mais graças a esta mesma mulher.

Desta maneira, existem poucas coisas que poderiam encaixar tão perfeitamente em um gênero como este filme.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Army of Shadows (L´armeé des Ombres - 1969 - França/Itália)

Este filme, feito em 1969, enfrentou entraves políticos na época do seu lançamento. Acusado de glorificar a resistência francesa à ocupação alemã em um momento em que os franceses não suportavam mais Charles De Gaulle, presidente da França em 1969 e líder da Força da França Livre no passado, "Army of Shadows" foi recebido de forma execrável por crítica e público que não conseguiram perceber que o que era questionado aqui não poderia estar mais distante de uma idealização: o quão amoral podem ser os atos heróicos? Depois de 37 anos "Army of Shadows" estreou nos Estados Unidos como uma bomba em uma cápsula do tempo, levando o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro na premiação dos críticos de Nova Iorque em 2006.

Posso até imaginar o tipo de ópio que levaram os franceses à passar por cima do que estava à frente dos seus narizes já que o cheiro de maio de ´68, em 69, não estava tão longe. Mas o momento em que Lino Ventura, no papel do engenheiro Philipe Gerbier, tenta desastradamente matar o membro que o traiu e o enviou para a cadeia é tão sincero quanto a sinceridade pode ser e no fim percebemos que até mesmo os líderes da resistência eram nada mais do que pessoas comuns jogadas de encontro ao seu limite. E se acreditarmos em Melville, a revolução é um trabalho solitário, onde até mesmo a distância entre irmãos são falsamente aumentadas em mais um momento antológico quando o líder da resistência deve deixar a França.

Em um momento ou outro, Melville nos joga direto na cabeça de uma personagem com uma narração em off e não depende da importância da personagem e sim da situação. Quando Gerbier é preso acompanhamos toda a linha de raciocínio do diretor do presídio, um francês que trabalha para os alemães, sobre como deve tratá-lo, tudo baseado no seu mesquinho
interesse. O filme é todo montado em sequências, pequenos set-pieces, sem uma grande trama a não ser a luta sem saída da resistência. Não vou mentir, a vontade é de contar o filme todo, cena a cena, o tanto que algumas destas sequências me perseguem. Infelizmente, não achei alguém bebâdo que também tenha assistido esse filme para me responder se quando o francês é baleado e morto na primeira fuga de Gerbier é apenas um acidente ou um jogo maquiavélico de Gerbier para que a resistência não perca uma das suas cabeças.

Ver este filme 30 anos depois e louvá-lo como uma obra-prima em pleno Brasil é bem fácil, mas talvez até mesmo em 69, ainda sentindo falta de alguns dentes, perdidos ali em maio de 1968, em algum protesto contra a demissão de Henri Langlois, daria para chamar "L´Armeé des Ombres" de um bom filme.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

À Prova de Morte (Death Proof - 2007 - Estados Unidos)


É um tanto quanto duvidoso ter alguém como eu criticando qualquer um dos filmes do über-nerd Quentin Tarantino. Metade da minha quilometragem cinematográfica passei assistindo os vhs de Kung-Fu da FJLucas, faroestes italianos e filmes de terror, fossem os clássicos da década de 30 e 70 ou vagabundagens de 80. Tudo culpa e cortesia das prateleiras de uma locadora de interior em Coxim-MS, onde, num sábado à noite, Django era disputado à tapa pelos clientes. E eu posso garantir: todos que pisaram naquela locadora vão adorar a viagem de "À Prova de Morte". Muito mais do que aquele seu amigo blasé de quem você pegou emprestado o box do Bergman.

Não é como os outros filmes de Tarantino, onde as citações são diluídas, mascaradas e algo como uma cereja em cima do bolo. Aqui, se se perder entre a lista de filmes descendo bitola abaixo, se desespere, a diversão está comprometida. "Corrida Contra o Destino" (Vanishing Point - 1971) é citado pelo menos 15 vezes e é o McGuffin da segunda parte do filme. E se tudo isso soa como o tradicional Tarantino de sempre, desta vez ele arrisca um mergulho no universo feminnino. Mas se considerarmos Jackie Brown como uma história sobre o amadurecimento de uma cinquentona e Kill Bill como uma fábula sobre a maternidade, vamos cair na real que não tem nada de novo. Melhor assim.

A primeira metade do filme gira em torno de um grupo de amigas saindo para uma noitada em uma cabana deserta, mas o acaso as faz parar antes em um barzinho para "esquentar" a noite e comprar um pouco de maconha. E é aí que o Tarantino balconista de locadora deixa todo o seu talento (de balconista, não de diretor) aflorar, servindo a todos nós as regras requentadas e retemperadas dos filmes de maníacos (americanamente chamados de slashers). As garotas não só falam sobre sexo, mas transpiram sexo por tudo aquilo que os curtos shortinhos insistem em mostrar . Elas bebem, usam drogas e não tem receio algum de se divertir, mas uma delas, a tal Butterfly, que mesmo sendo um pouco mais atrevida do que você gostaria de saber que a sua irmã é (e ela é, não adianta negar), ainda não deixou seu namorado se enfiar entre suas pernas. E ela não está só imaculada sexualmente falando, ela também é a única que sente algo de estranho vindo daquele carro negro, é a única que o viu cruzando antes pela cidade, é a única que tem pelo menos uma pista de que a noite pode não ser tão divertida quanto prometia. Eu, você e todo aquele povo de Coxim já assistimos filmes suficientes para saber que neste tipo de mundo isso faz dela a heroína, sem sombra alguma de dúvidas, como uma Jamie Lee Curtis. Mas Stuntman Mike não é nenhum Michael Myers, apesar de ambos serem Mike.

Em uma cena ou outra, Tarantino entrega que este cara com uma cicatriz no rosto e quase tão legal quanto o seu carro é o vilão. Só que esse tal Stuntman Mike é um cara tão interessante na primeira parte do filme que, mesmo tendo todas as pistas, eu me recusava a acreditar que ele fosse simplesmente um psicopata. Maldito engano. E é um psicopata misógino que usa a mais comum extensão peniana como arma, um carro. O Texas Ranger Earl McGraw, o mesmo personagem de Kill Bill, resolve a questão toda numa sequência reminiscente do anti-clímax explicativo do fim de "Psicose": matar estas belas garotas com o seu carro é a única forma de Stuntman Mike ter uma ereção. Maldito psicopata brocha.

Essa é a primeira vez em que Tarantino se arrisca na direção de fotografia e não é que o sacana se deu bem? A textura é digna dos filmes mais legais da década de 70 e se a sequência final já não fosse uma homenagem à "Faca na Garganta" (Switchblade Sisters - 1971), certamente poderia estar na transgressão-que-alguns-chamam-de-filme de Jack Hill. Assim como as garotas do filme fetiche do velho Jack, as meninas da segunda parte de "À Prova de Morte" são algumas das mais duronas a serem impressas em celulóide. Zoe Bell, dublê de Uma Thurman em Kill Bill, faz o papel de Zoe Bell, dublê neozelandesa e louca pelo filme "Corrida contra o Destino", numa das brincadeiras metalinguísticas mais legais da história recente. As citações que continuam aparecendo vão desde "O Pássaro de Plumas de Cristal", John Hughes e até mesmo "Cães de Aluguel", que empresta a sua clássica sequência "da madonna" para ser refeita numa versão feminina. E o que era para ser uma referência ao Scorsese, Tarantino se apropria, os coxinenses diriam.

Com mais arestas do que o regurgito pop usual de Quentin Jerome Tarantino, o (ex) balconista de locadora faz com primazia o que lhe é cabido: recomenda uma tonelada de filmaços, surpreende a cada minuto e ainda mostra que Grindhouse no Brasil é só lá em Coxim.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

O Pássaro de Plumas de Cristal (L´uccello dalle piume di cristallo - 1970 - Itália/Alemanha)

O Pássaro de Plumas de Cristal pode ser resumido em fetiche. Meu fetiche, Dario Argento, Vittorio Storaro e Enio Morricone em um mesmo filme e não é um filme qualquer, além de ser a estréia de Argento na direção, é o filme que dita a regra dos Giallos por vir. Fetiche do diretor Argento que repetiria várias e várias situações vistas aqui ao longo da sua extensa carreira, situações que, antes mesmo de se tornarem obsessões, já estavam repletas de subtexto sexual (como todo bom filme sobre a violação da carne).

A profundidade das personagens é a mesma de um copo de cerveja no fim da noite, mas não é para esse tipo de viagem que se compra esse ingresso. A história gira em torno de Sam Dalmas, um escritor que acidentalmente impede um dos assassinatos de um serial killer e acaba obcecado com a solução do crime, investigando o caso com o aval da polícia enquanto é procurado pelo assassino por ser a única testemunha viva. Sendo sincero, em um momento ou outro a leveza e descompromisso com que Sam abraça o trabalho investigativo me incomoda. Afinal, ele está indo atrás de um assassino, já tentaram matá-lo repetidas vezes e ainda assim tudo parece uma brincadeira. Sem problemas. O que a gente ganha por deixar isso passar é pago com juros. A cena em que Sam impede o assassinato é uma das mais interessantes do cinema de suspense, com força visual e emocional. Sam vê um homem vestido de couro negro dos pés a cabeça tentando esfaquear uma bela mulher em uma galeria de arte e ao tentar impedir ele acaba preso entre paredes de vidro, tendo que assistir enquanto a mulher sangra até a morte. Todo o cenário é branco e o vermelho deixa rastros pelo chão enquanto a mulher rasteja em direção a parede de vidro de onde Sam pode só assistir. Este tipo de elaboração visual onde cenografia, fotografia e marcação de cena estão em perfeita harmonia permeia o filme e a carreira de Argento, alcançando o ápice em Suspiria (1977), quando a esteticidade de cada cena suplanta a realidade narrativa e o filme beira um suspense surreal, usando e abusando das luzes ao estilo Mario Bava. Mas não estou aqui para falar de Suspiria.

Dizer que a trilha de Enio Morricone cai como uma luva (trocadilho para quem viu o filme) é o mesmo que dizer que Tarantino fala demais, e é óbvio que ele fala. E o mesmo Quentin Tarantino cita a sequência de abertura do Pássaro de Plumas de Cristal no seu último filme, Death Proof (2007), com direito até a trilha de Enio Morricone. O início da era de ouro dos Giallos, suspenses italianos, possivelmente começa aqui. Tematicamente O Pássaro de Plumas de Cristal seria repetido ao longo de toda a década emprestando as luvas negras e a psicopatia de seus assassinos a várias produções italianas. Esteticamente esse seria o alvo, repetidamente alcançado, mas raramente suplantado a não ser pelo próprio Argento.

E não só Argento faria melhor nos anos por vir, Storaro ainda ganharia 3 oscars e Enio Morricone deixaria de ser um enorme sucesso comercial na itália para se tornar unanimidade mundial. Mas o fato de terem feito melhor não diminui a qualidade do Pássaro de Plumas de Cristal, só exemplifica que a trinca tem uma carreira feita, na maior parte, apenas de pontos altos.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Eye in The Sky (Gun Chung - 2007 - Hong Kong)

Este é um Thriller com mais méritos pelo que não tem do que pelo que está na tela. Não há nada de novo ou fantástico, mas também não sobra nada. O filme começa e termina onde deve, não tenta empurrar nenhuma história de amor improvável entre a "Porquinha", uma policial recém-recrutada para a equipe de observação da polícia de Hong Kong, e o seu tutor "Cachorrão" ou até mesmo com o metódico e controlado golpista Shan.


"Eye in the Sky" é o primeiro filme dirigido por Nai-Hoi Yau, roteirista dos melhores filmes do diretor Johnny To, inclusive de "Election", indicado a Palma de Ouro de 2005. De início, Nai-Hoi já nos joga no meio de uma situação de suspense num ônibus no centro de Hong-Kong. "Porquinha" está seguindo "Cachorrão" como uma última etapa do seu treino e, por coincidencia, Shan está no mesmo ônibus rumo à mais um golpe. Aliás, coincidência é o tema central do filme. Pela natureza do trabalho dos observadores da polícia de Hong-Kong a ação é quase voyeurística, se mesclando ao cenário e esperando algo acontecer. Os protagonistas dos filmes não disparam um único tiro e o único confronto cara a cara entre "Porquinha" e "Shan" é verbal, cheio de tensão física que nunca explode. Talvez o clima de tensão do início ao fim do filme seja também uma das fraquezas da obra que nunca o tira da situação de tensão, alterando só a sua intensidade.

No fim, é uma surpresa ver um filme policial de Hong-Kong sem as pirotecnias estilizadas que desde que John Woo soltou "Alvo Duplo" nos projetores orientais se tornaram uma regra do genêro por aquelas terras. Não é um filme genial, mas as personagens carismáticas e a trama bem amarrada garantem ótimos momentos.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Três Enterros de Melquiades Estrada (Three Burials of Melquiades Estrada - 2005 - Estados Unidos/França)

Os irmãos Cohen terão que mostrar serviço. Antes mesmo da entrevista do Arriaga no programa Roda Viva confirmar, era evidente: este filme tem Cormac Mcarthy da abertura aos créditos finais. O velho oeste mais velho e cansado a cada fotograma, sem espaço para aquele tipo de hombridade de um John Wayne que só existiu em celulóide. Tommy Lee Jones caminha manso na fronteira entre o clássico e o anti-western na sua estréia na direção tendo como coiote o roteirista Guillermo Arriaga.

As características do Arriaga de Amores Brutos e 21 Gramas estão todas ali, as complexas subtramas, a morte presente e tátil e o tempo fragmentado tecendo talvez não o seu melhor roteiro, mas o meu preferido. A amizade entre Pete (Tommy Lee Jones) e Melquiades (Julio Cedillo) enche os olhos e a morte de Melquiades leva Pete a tomar ações que beiram a vingança, mas redime não só o assassino de melquiades mas também a vazia relação marido e mulher de Mike Norton (Barry Peper) e Lou Ann (January Jones). Ali pelo meio do filme alguém percebeu: se acabasse agora, estes caras já teriam um puta filme. E a coisa continua em um ritmo que algum desavisado até chamaria de realismo fantástico enquanto Pete arrasta um cadáver e um culpado em direção à uma espécie de Eldorado pessoal.

Mesmo sem ter sido baseado em livro algum de Cormac Mcarthy essa é de longe a melhor obra inspirada pelo homem e um belo de um alvo para os Irmãos Cohen tentarem acertar no vindouro
No Country For Old Men .