terça-feira, 4 de setembro de 2007

O Pássaro de Plumas de Cristal (L´uccello dalle piume di cristallo - 1970 - Itália/Alemanha)

O Pássaro de Plumas de Cristal pode ser resumido em fetiche. Meu fetiche, Dario Argento, Vittorio Storaro e Enio Morricone em um mesmo filme e não é um filme qualquer, além de ser a estréia de Argento na direção, é o filme que dita a regra dos Giallos por vir. Fetiche do diretor Argento que repetiria várias e várias situações vistas aqui ao longo da sua extensa carreira, situações que, antes mesmo de se tornarem obsessões, já estavam repletas de subtexto sexual (como todo bom filme sobre a violação da carne).

A profundidade das personagens é a mesma de um copo de cerveja no fim da noite, mas não é para esse tipo de viagem que se compra esse ingresso. A história gira em torno de Sam Dalmas, um escritor que acidentalmente impede um dos assassinatos de um serial killer e acaba obcecado com a solução do crime, investigando o caso com o aval da polícia enquanto é procurado pelo assassino por ser a única testemunha viva. Sendo sincero, em um momento ou outro a leveza e descompromisso com que Sam abraça o trabalho investigativo me incomoda. Afinal, ele está indo atrás de um assassino, já tentaram matá-lo repetidas vezes e ainda assim tudo parece uma brincadeira. Sem problemas. O que a gente ganha por deixar isso passar é pago com juros. A cena em que Sam impede o assassinato é uma das mais interessantes do cinema de suspense, com força visual e emocional. Sam vê um homem vestido de couro negro dos pés a cabeça tentando esfaquear uma bela mulher em uma galeria de arte e ao tentar impedir ele acaba preso entre paredes de vidro, tendo que assistir enquanto a mulher sangra até a morte. Todo o cenário é branco e o vermelho deixa rastros pelo chão enquanto a mulher rasteja em direção a parede de vidro de onde Sam pode só assistir. Este tipo de elaboração visual onde cenografia, fotografia e marcação de cena estão em perfeita harmonia permeia o filme e a carreira de Argento, alcançando o ápice em Suspiria (1977), quando a esteticidade de cada cena suplanta a realidade narrativa e o filme beira um suspense surreal, usando e abusando das luzes ao estilo Mario Bava. Mas não estou aqui para falar de Suspiria.

Dizer que a trilha de Enio Morricone cai como uma luva (trocadilho para quem viu o filme) é o mesmo que dizer que Tarantino fala demais, e é óbvio que ele fala. E o mesmo Quentin Tarantino cita a sequência de abertura do Pássaro de Plumas de Cristal no seu último filme, Death Proof (2007), com direito até a trilha de Enio Morricone. O início da era de ouro dos Giallos, suspenses italianos, possivelmente começa aqui. Tematicamente O Pássaro de Plumas de Cristal seria repetido ao longo de toda a década emprestando as luvas negras e a psicopatia de seus assassinos a várias produções italianas. Esteticamente esse seria o alvo, repetidamente alcançado, mas raramente suplantado a não ser pelo próprio Argento.

E não só Argento faria melhor nos anos por vir, Storaro ainda ganharia 3 oscars e Enio Morricone deixaria de ser um enorme sucesso comercial na itália para se tornar unanimidade mundial. Mas o fato de terem feito melhor não diminui a qualidade do Pássaro de Plumas de Cristal, só exemplifica que a trinca tem uma carreira feita, na maior parte, apenas de pontos altos.

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